quarta-feira, abril 07, 2004

 

Para acabar de vez com a cultura

Os governos PSD sempre foram reconhecidos internacionalmente (e até premiados mais do que uma vez pelas revistas da especialidade) pela forma hábil e inteligente com que normalmente lidam com as questões relacionadas com a cultura e com o flagelo que esta representa na sociedade portuguesa.

Quem pode esquecer a elevação, a capacidade de antecipação profética e o jogo de pés demonstrados por esse ícone pop a quem chamam o Prince Português - o ex-subsecretário de estado da cultura Sousa Lara - ao excluir José Saramago, ateu confesso, comuna perigoso e escritor menor, da delegação portuguesa enviada a uma feira internacional de mediana importância, por este, obviamente, não ser representativo da cultura portuguesa?
E como o tempo lhe deu razão! Quem se lembra de Saramago hoje em dia? Para não referir que a sua influência na vida cultural portuguesa foi mais do que ultrapassada por novos e vibrantes nomes da cena literária, como por exemplo Margarida Rebelo Pinto ou Aníbal Cavaco Silva.

Que dizer também dessa peça inesquecível de fina ironia e deliciosa (e quase vicentina) farsa política, que levou o mais excelso e humilde dos autarcas portugueses a mencionar as sinfonias para violino de Chopin durante uma entrevista a um orgão de comunicação social, numa subtil, bem humorada e críptica alusão ao caos herdado dos governos PS no programa espacial português, que obrigou a que fosse contratado de emergência o conhecido tenor Luciano Pavarotti, para chefiar a equipa responsável pelo lançamento do POSAT para o espaço sideral (de onde infelizmente não regressou até hoje)?
E como foi triste ver a esquerda portuguesa, do PS (Partido Socialista) ao PPM-ML (Partido Popular Monárquico - Marxista Leninista) cobrir-se de ridículo, ao apontar o facto de Chopin nunca ter escrito nada para violino, revelando uma total e patética incapacidade em ler os segundos sentidos e os significados ocultos, das palavras de Pedro Santana Lopes, político, poeta e homem de uma dimensão intelectual e energia criadora a todos os títulos notável, em alguém com uma actividade reprodutora tão intensa e de resultados tão visíveis.

Bom, mas vem isto tudo a propósito da última polémica a animar a cultura portuguesa: o ICAM que, para quem não sabe, é um instituto dependente do ministério da cultura que tem por única finalidade negar subsídios a festivais de cinema da margem sul do tejo, resolveu, como não podia deixar de ser, negar apoio ao Festróia. Mais, o ICAM, numa atitude extremamente invulgar nestes tempos de disciplina orçamental e não só, deu-se ao trabalho de explicar o porquê de negar apoio ao festival de cinema mais importante, com mais público (e provavelmente o único que existe) para além do Fantasporto. Nas palavras do comunicado emitido pelo júri nomeado pelo ICAM, o Festróia não recebe apoios porque "é uma merda de festival, tem pouco público e há milhares de outros festivais por esse país fora que merecem mais receber o dinheiro, embora agora não nos lembremos de nenhum neste preciso momento!".

Poderia haver mais clareza?
Não!

Mais do que isso: a escolha cuidadosa das palavras empregues e a invulgar inteligência da argumentação indiciam que o autor do comunicado do ICAM (e responsável moral pela acertada e corajosa decisão) não é um anónimo jurizeco de segunda, como se pensava, mas sim o grande Pedro Roseta, ilustre e discretíssimo ministro da cultura, considerado por muitos, não só o homem mais culto do mundo a seguir ao professor Marcelo (outro monstro intelectual do PSD, cujo ritmo alucinante de leitura de mais de 20 livros por minuto - a acreditar no jornal de domingo da TVI - torna insuperável) como também o ministro mais sexy do executivo (item onde é seguido de muito perto pela britney spears das finanças, a fogosa Manuela Ferreira Leite)!

É caso para dizer: obrigado PSD por tudo o que tens feito pela cultura deste país!

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